Os cartórios de Salvador guardam valiosos registros históricos sobre a escravidão no Brasil, sendo fontes cruciais para estudar a formação social e econômica do país. Entre os documentos preservados estão transações de compra e venda de pessoas escravizadas, cartas de alforria e testamentos. O historiador Urano de Cerqueira Andrade, coordenador do projeto “Digitalizando Fontes Manuscritas Ameaçadas”, tem sido fundamental na digitalização e preservação desses materiais. Em seu estudo, foram tabuladas 19.726 cartas de alforria, cobrindo o período de 1800 a 1855, e esses dados incluem informações como idade, nome, origem e condições de liberdade.
O trabalho de Andrade revela que as cartas de alforria muitas vezes impunham condições severas para a liberdade dos escravizados, como viver sob a posse dos senhores até o fim de suas vidas ou realizar trocas para a obtenção da alforria. Embora esses documentos forneçam valiosos dados sobre a origem e as condições das pessoas libertas, a identificação precisa da região de origem dos escravizados ainda é limitada, necessitando de estudos mais aprofundados. A pesquisa também mostra que a Igreja Católica desempenhou um papel significativo, fornecendo justificativas religiosas para a prática da escravidão, embora também houvesse gestos de liberdade em testamentos, muitas vezes relacionados à salvação da alma.
Andrade também reflete sobre a importância de estudar o passado para entender as dinâmicas sociais e culturais do presente. Ele critica a visão de que a escravidão no Brasil foi menos cruel, destacando as condições desumanas enfrentadas pelos escravizados. Ao mesmo tempo, defende que é preciso analisar a história de forma crítica, considerando as evidências documentais disponíveis, sem distorcer ou ocultar fatos, mesmo quando estes envolvem figuras históricas importantes. A pesquisa contínua sobre esses registros históricos busca fornecer uma compreensão mais completa e precisa da escravidão no Brasil e suas consequências para a sociedade contemporânea.