O texto aborda a importância das coletâneas literárias que surgiram no final do século 20, destacando a obra *Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século XX*, organizada por Ítalo Morriconi. Dentro desta coletânea, o conto *Pai contra mãe*, de Machado de Assis, é analisado como uma narrativa que expõe questões sociais e morais da época, ao mesmo tempo em que apresenta uma estrutura intertextual com a Bíblia, mais especificamente com a parábola do credor incompassivo, contada no evangelho de São Mateus. O conto de Assis explora a história de Cândido Neves, um caçador de escravizados, que é levado a tomar decisões cruéis, sem compaixão, por causa de sua própria miséria e desespero.
Ao fazer uma analogia entre o comportamento de Cândido Neves e o do credor insensível da parábola bíblica, o texto sugere que a falta de empatia e compaixão entre indivíduos que compartilham situações de sofrimento é um dos pontos centrais da narrativa. Neves, um personagem cuja escolha de vida o afasta da moralidade, recusa-se a sentir piedade pela escravizada em fuga, apesar de sua própria vulnerabilidade emocional como pai. Essa comparação com a parábola de São Mateus amplia a reflexão sobre os dilemas morais de uma sociedade marcada pela exploração e desigualdade, e como tais dilemas se refletem em um contexto literário e histórico.
A análise também envolve uma discussão sobre as abordagens hermenêuticas e literárias, sugerindo que tanto os textos sagrados quanto os literários podem ser interpretados de maneiras que revelam camadas de significado alegórico, moral e anagógico. A narrativa de Machado de Assis, ao refletir sobre o comportamento humano diante do sofrimento do outro, estabelece um paralelo com a moral cristã, ao mesmo tempo que questiona as escolhas dos indivíduos em contextos de opressão e desumanização. A obra oferece uma crítica sutil e profunda ao caráter humano, refletindo sobre as falhas de empatia que perpetuam a dor no mundo social e literário.